quarta-feira, 9 de junho de 2010

O Baú Secreto da Vovó


O Baú Secreto da Vovó

    Quando eu era menina e sentia medo, no lugar de chorar, ficava com raiva.

    Na noite em que descobri o baú de minha avó, eu estava em Santos. Trovejava muito. Apavorada, comecei a gritar que odiava o mar.     Foi quando minha avó me chamou.

    — Minha neta, você sabia que eu tenho um baú cheio de segredos?

    — Como assim? Onde?

    — Lá no fundo da garagem.

    Pronto. Nada como a curiosidade para espantar o medo. Na garagem, vovó o abriu e retirou de dentro dele uma espécie de régua:

    — Você sabe o que é isso?

    — Uma régua esquisita — respondi.

    — Não, isso é uma palmatória. Quem errasse na escola levava uma batida na palma da mão.

    — Não acredito! E por que a senhora guardou esse treco?

    — Pra lembrar que a gente precisa ser mais forte do que as injustiças. Olhe... meu dedal preferido. Foi com ele que eu costurei essa roupa — e ela me mostrou um vestidinho com uma espécie de short por baixo.

    — Você jogava tênis, vovó?

    — Não, isso é um maiô!

    — Você nadava de vestido?

    — Sim, e era considerada atrevida. Mas foi assim que conquistei seu avô.

    — Nadando de roupa?

    — Eu vinha de uma família pobre. Seu avô, não. Ele lia, gostava de dançar.

    — E de nadar também?

    — Sim, e por isso fiz esse maiozinho. Corri até a praia de chapéu. Seu avô estava tomando sol. Fingi que tinha perdido o chapéu no mar. Ele era um cavalheiro e veio ajudar. O chapéu foi parar no fundo. Apostamos uma corrida para ver quem o apanhava. Ele gostou da minha ousadia.

    — Foi assim que vocês começaram a namorar?

    — E logo me casei. Guardei o dedal pra lembrar que a gente precisa tecer a felicidade, e o maiô, porque um pouco de coragem não faz mal a ninguém. Olhe essa caixinha de música. Seu avô me deu quando você nasceu. Não é linda?

    Vovó mostrou para mim outros objetos e assim fui descobrindo que se não fosse o mar, que eu temia, não haveria o encontro de meus avós e que viver é saber perder o medo de tudo o que a gente nunca espera e nunca vai conseguir controlar.

Poema de Katia Canton
Ilustrado por André Davino
FONTE: Nova Escola



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