segunda-feira, 21 de junho de 2010

Construtivismo

 

Afinal, o que é ser Construtivista?

    Ser ou não ser, eis a questão: os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), implantados a partir de 1997, trazem como fundamento o Construtivismo em sua versão educacional, mas há muita confusão e polêmica em torno desse tema - finalmente, o Construtivismo é uma teoria de aprendizagem, uma filosofia, uma abordagem, uma estratégia, um método de ensino, uma técnica pedagógica, uma linha de pensamento, uma atitude, um modelo mental, uma visão de mundo?
    Como se reconhece que alguém está verdadeiramente atuando numa práxis Construtivista? Inúmeros autores e especialistas da educação escrevera sobre seus entendimentos acerca do Construtivismo, mas nem sempre numa linguagem simples e mais acessível à compreensão. Entretanto, na obra do Prof. Dr. Sérgio Franco (1995) encontramos um texto de grande clareza e objetividade sobre as teses que dão substrato à prática pedagógica “Construtivista” e suas conseqüências. Um recorte de suas idéias vai a seguir apontado, para nossa reflexão e debate:
    A partir da década de 80, após o tecnicismo e os métodos de alfabetização terem caído em descrédito, a educação brasileira começou a ser invadida pelas idéias construtivistas de Jean Piaget, especialmente através do trabalho de Emília Ferreiro sobre a psicogênese da língua escrita, abalando principalmente a área de alfabetização. A profundidade da teoria se deve ao fato de o construtivismo piagetiano não ser uma teoria educacional ou de aprendizagem, mas uma teoria epistemológica (ou seja, uma teoria acerca do conhecimento). Piaget, ao fazer a sua Epistemologia não estava satisfeito em saber como se dava o conhecimento, mas queria saber a sua origem (gênese), como se desenvolve a capacidade de conhecer e o próprio processo do conhecimento no decorrer da vida do homem, que o possibilita a produzir conhecimentos tão complexos como a ciência atual produz. (Piaget)
    Piaget (1896/1980), esse grande biólogo e psicólogo suíço, considerado o maior expoente do estudo do comportamento infantil, fez o seguinte raciocínio: a criança, ao nascer, não se diferencia do mundo; isto é, ela e o mundo são uma coisa só - portanto, o seio que a amamenta, o objeto que ela prende em sua mão, são um prolongamento do seu eu - não há um sujeito nem um objeto conhecido, o que há é um todo indiferenciado, portanto não se pode falar de um processo de conhecimento. O que vai inaugurar a diferenciação entre o sujeito e o objeto deverá ser algum instrumento de mediação que cumpra esse papel. Tal instrumento não pode ser a percepção, pois, como se sabe, esta não se encontra acabada no nascimento da criança, portanto será o concurso da ação que se instalará a diferenciação entre o sujeito que conhece e o objeto a ser conhecido. É por isso que Piaget conclui que o conhecimento surge da ação. Mas ele não só surge da ação como sempre consistirá numa ação; ação essa que é, de fato, uma intenção. Mesmo o conhecimento mais teórico é uma ação que o sujeito exerce sobre o objeto, não necessariamente uma ação prática, mas uma ação mental, sendo que esta é, na verdade, um prolongamento daquela.
    No entanto, não basta saber que o conhecimento se constrói na interação do sujeito com o objeto - é preciso compreender o que implica esta noção em nível teórico e prático. Esta problemática reflete-se em um questionamento comum entre os educadores sobre se o procedimento “x” é construtivista ou não - não existe procedimento construtivista, o que existe é um uso construtivista deste ou daquele procedimento didático. Como garantir a compreensão do construtivismo? - a resposta a essa questão é de cunho filosófico, logo não basta discutir-se o aspecto pedagógico, muito menos prender-se ao didático, o modo de pensar o mundo tem que ser coerente com o construtivismo - porquanto o construtivismo não é uma filosofia, é uma epistemologia que, como toda ciência, é pensada a partir de uma visão filosófica: a dialética. Eu só posso entender o desenvolvimento em termos de estágios que se superam entre si e que se constrói nesta superação se pensar isso dialeticamente. Eu só posso entender que o conhecimento se produz por processos de assimilação e acomodação e que estes processos geram construções totalmente novas embora tenham partido de situações preexistentes, mas em um patamar intelectual inferior (abstração reflexionante) se pensar isso dialeticamente. 
    Eu só posso entender que o conhecimento se constrói e provoca o próprio desenvolvimento a partir da interação do sujeito com o seu meio físico e social se penso isso dialeticamente. Se compreender que tudo que é também não é. A própria idéia de interação é essencialmente dialética. Para entender-se a construção do conhecimento como fruto de um processo de interação entre o sujeito e seu meio é necessário que se busque entender também esta lógica dialética, o do ser que é e não é, ou ainda, do vir-a-ser. 
    A interação só pode ser entendida como um processo de simultaneidade e, portanto de movimento entre dois pólos que necessariamente se negam, mas que, conseqüentemente, se superam gerando uma nova realidade. O conhecimento é, assim fruto de uma relação. E relação nunca tem um sentido só. Tome-se, por exemplo, uma relação de amizade: João não é amigo de Pedro sem Pedro ser amigo de João. 
    A amizade só existe quando os dois têm amizade recíproca um para com o outro, deste modo a amizade não está nem no Pedro, nem no João, mas na relação entre ambos. Assim é o conhecimento - ele só acontece na medida em que o sujeito age sobre o objeto de conhecimento (que pode ser uma coisa, uma idéia ou uma pessoa) e sofre uma ação deste objeto, ação esta que pode ser na forma de uma resistência do objeto à ação do sujeito. Dizer, então, que o conhecimento se constrói na interação do sujeito com o objeto significa afirmar que o conhecimento não é incorporação do objeto nem é afirmação do sujeito, e ao mesmo tempo é as duas coisas. Ou seja, assim como a amizade entre o João e o Pedro não é uma imposição ou uma dominação entre ambos, assim também acontece com o conhecimento. 
    Quando leio um livro, não estou simplesmente engolindo as idéias do autor, nem estou distorcendo as idéias contidas no livro de tal modo que me seja impossível compreender a mensagem que o autor quer me dar. No entanto, ao mesmo tempo eu interpreto as idéias que leio, pois tenho minhas próprias idéias e as idéias do autor me fazem reformular muitas de minhas idéias - conseqüentemente, depois de uma leitura refletida saio enriquecido, pois a relação que estabeleci com o livro me fez ser diferente. Por conseguinte, o conhecimento é distinto do sujeito pré-existente e também do objeto de conhecimento. Podemos então ver o quanto o conhecimento é e não é ao mesmo tempo. Ser e não ser ao mesmo tempo implica, necessariamente em vir-a-ser. Assumir, pois, uma posição interacionista implica uma mudança de postura frente ao mundo e à vida; portanto, esta é uma mudança filosófica e não psicológica ou pedagógica e muito menos didática. Significa compreender o mundo dialeticamente; logo, ser ou não ser construtivista refere-se muito mais à filosofia de cada um.    Voltando ao começo em Shakespeare ("Ser ou não ser, eis a questão..."), vale concluir que o Construtivismo não é uma prática ou um método; não é uma técnica de ensino nem uma forma de aprendizagem; não é um projeto escolar; é, sim, uma teoria que permite (re) interpretar todas essas coisas e, por conseqüência, construir um novo modo de ver o universo, a vida e o mundo das relações sociais.

    Fonte: FRANCO, Sérgio R. K. O Construtivismo e a Educação. Porto Alegre: Mediação, 1995.
 
 
 
 

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